Violência contra a mulher é tema do segundo dia no curso de Direitos Humanos para Magistrados
A violência de gêneros é considerada violação de direitos humanos pelos tratados internacionais
O reconhecimento pelas convenções internacionais da dificuldade da mulher em participar, nas mesmas condições que o homem, da vida política, social, econômica e cultural é recente, data de 1979. Antes, a declaração Universal dos Direitos Humanos garantia apenas a proteção integral da pessoa humana, como explicou a palestrante Camila de Jesus Melo Gonçalves, no segundo dia do curso de direitos humanos, voltado a magistrados. O evento é promovido pela escola Nacional da Magistratura, Associação dos Magistrados de Brasileiros, com apoio da Escola da Magistratura de Rondônia e Associação do Magistrados de Rondônia.
Juíza titular da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Paulo, Camila tem doutorado em direito humanos pela Universidade de São Paulo e é professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Membro da comissão de direitos humanos, trouxe sua experiência como magistrada e pesquisadora na área, além de pontuar os avanços das convenções internacionais na proteção à mulher e ao combate à violência de gênero, conceito, segundo ela, considerado recente na doutrina do direito. “A Lei Maria da Penha é baseada nesse conceito, de que a violência sofrida pela mulher é justamente pela sua vulnerabilidade social, cultivada histórica e culturalmente com estereótipos que propagam a discriminação irracional”, esclareceu.
Para a magistrada, a percepção da desigualdade social é essencial para combatê-la, por isso uma formação como a aplicada aos magistrados contribui para a difusão das normas e convenções internacionais protetivas da mulher, relevantes fontes interpretativas para suprir os direitos não expressos no ordenamento brasileiro. “A exclusão do tema gênero do currículo escolar é um exemplo de desrespeito a uma convenção, a de Belém do Pará”, lamenta Camila.
O juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Rondônia, Álvaro Kalix Ferro, que também é o titular do Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher de Porto Velho, foi o segundo palestrante da manhã e apresentou alguns julgados da Comissão e outros da Corte Interamericana e o descompasso de alguns julgados pátrios, como a Convenção de Belém do Pará e a Cedaw, lembrando que por vezes refletem marcas culturais de uma sociedade patriarcal. “Precisamos nos atentar para que as nossas decisões e o tratamento recebido nas nossas serventias e núcleos multidisciplinares não causem revitimização da mulher atendida pelo judiciário”, alertou, destacando pontos da Recomendação 33, da Cedaw.
O magistrado recomenda o apoio de núcleos psicossociais para o melhor atendimento de casos de violência contra a mulher, que possam atender à própria mulher e familiares, mas que também possam trabalhar a cultura da desigualdade e violência com os agressores. “Por isso apostamos tanto no projeto Abraço, do Juizado de Porto Velho, pois vemos concretamente os resultados”, acrescentou. Para Álvaro Kalix o tema também é oportuno em razão das comemorações do mês da mulher no Poder Judiciário de Rondônia, que propõe justamente a reflexão de todos sobre a garantia dos direitos inalienáveis da mulher.
Também participaram da mesa de debates, as juízas Úrsula Gonçalves, que também já passou pela vara especializada em Porto Velho, e a juíza Maria Aparecida Cury, titular do Juizado de Combate a Violência doméstica e familiar contra a mulher de Boa Vista, Roraima; ambas com ricas contribuições, sobretudo no cuidado com as vítimas.
Na parte da tarde, foram trabalhados casos práticos. Distribuídos em grupos, os juízes participantes discutiram situações e analisaram aplicações das normas e convenções internacionais, bem como procedimentos no cotidiano da Justiça.
Depoimento
Outro momento bastante intenso do curso foi o depoimento voluntário de uma vitima de violência de gênero, que se dispôs a contar sua história e as repercussões traumáticas, sobretudo psicológicas dessa violência. O exemplo relatado trouxe à tona a complexidade de se lidar com casos em que a agressão física não é a única forma de violência capaz de causar danos, muitas vezes de difícil reparação. “O Judiciário tem se preparado para enfrentar essas dificuldades dando resoluções para casos como esse”, destacou a assistente Maria Inês de Oliveira, do Núcleo Psicossocial do Juizado de Porto Velho, que acompanhou de perto o caso e contribuiu para a superação.
O Curso de Direitos Humanos segue nesta quarta-feira com tema racismo sob a ótica do Judiciário.
Assessoria de Comunicação Institucional