Publicado no DJE n. 093, de 21/05/2018, página 1
PROVIMENTO CONJUNTO PRESIDÊNCIA E CORREGEDORIA Nº 004/2018
Disciplina, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, o procedimento a ser adotado na escuta especializada e no depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, nos moldes da Lei n.13.431/2017.
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA E O CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais;
CONSIDERANDO que é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito individuais, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do art. 227, “caput”, da Constituição Federal, e do art. 1º da Lei Federal n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
CONSIDERANDO as disposições da Lei n.13.431/2017;
CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 100, parágrafo único, inciso V, elenca entre os princípios que devem ser observados nas medidas de proteção aplicadas em benefício das crianças e dos adolescentes, o princípio da privacidade, afirmando que a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente devem ser efetuadas em respeito a intimidade, direito à imagem e reserva de sua vida privada;
CONSIDERANDO que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, e o diploma legal, em seu art. 12, assegura o direito da criança ou adolescente ser ouvido em qualquer procedimento judicial ou administrativo que lhe disser respeito;
CONSIDERANDO que esse procedimento tem por finalidade reduzir os danos psicológicos produzidos às crianças e adolescentes, no ato de suas inquirições em procedimento judicial, resguardando, ainda, os direitos inseridos na Lei n.13.431/2017 e no Estatuto da Criança e do Adolescente e em obediência ao devido processo legal;
CONSIDERANDO a necessidade de instalações físicas adequadas para a sala destinada à execução dos serviços, a capacitação de profissionais para a tomada de tais depoimentos e a previsão para implantação efetiva dos serviços ainda no primeiro semestre de 2018;
CONSIDERANDO a necessidade de protocolos para a uniformidade, o correto e adequado procedimento para a escuta especializada e o depoimento especial, bem como o depoimento previsto nas situações dispostas no art. 699 do CPC, relacionadas a casos de alienação parental;
CONSIDERANDO a necessidade de se viabilizar a produção de prova testemunhal de maior confiabilidade e qualidade nas ações penais, bem como de identificar os casos de síndrome da alienação parental e outras questões de complexas apurações nos processos inerentes à dinâmica familiar, especialmente no âmbito forense;
CONSIDERANDO a necessidade de se promover a proteção psicológica da criança e adolescente vítimas de violência, evitando seu contato com o acusado e a repetição de depoimentos, e a regra contida no § 2º do art. 405 do Código de Processo Penal, que autoriza, em sendo o depoimento registrado por meio audiovisual, que cópias dele sejam encaminhadas às partes, sem necessidade de transcrição;
CONSIDERANDO o Processo n. 0002325-85.2018.8.22.8001;
CONSIDERANDO, finalmente, a Recomendação n. 33/2010-CNJ, de 23/11/2010;
RESOLVEM:
Artigo 1º - Nas comarcas do Estado de Rondônia dotadas de salas e equipamentos para a oitiva de criança e adolescente vítimas e testemunhas de crimes e em processos relacionados a abuso ou alienação parental, torna-se obrigatória a sua utilização para coleta do depoimento especial.
Parágrafo único - Nas comarcas em que não existirem as salas e os equipamentos específicos, deverão os juízes diretores do fórum, no prazo de 60 (sessenta) dias, efetuar levantamento da existência de espaço físico para a instalação da sala e dos equipamentos e comunicar à Corregedoria-Geral da Justiça, observando-se as peculiaridades locais e as limitações físicas dos prédios.
Artigo 2º - A autoridade policial, ao tomar conhecimento de fatos que ensejam a indispensável tomada de depoimento da própria criança ou adolescente vítimas ou testemunhas de ato de violência e desde que insuficiente a oitiva dos demais envolvidos e parentes próximos, para a conclusão do inquérito, notificará o Ministério Público para que, observando a necessidade de produção antecipada de provas, requeira ao juiz sua realização.
Artigo 3º - A utilização do Sistema de Coleta de Depoimento Especial contará com o apoio de equipe técnica do juízo (art. 151 do ECA), devendo a tomada de depoimento ser realizada por psicólogo e/ou assistente social, previamente designados pelo magistrado, que deverá priorizar aqueles profissionais capacitados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia para atuarem na coleta da oitiva especial.
Artigo 4º - O depoimento especial deve ser colhido pelo sistema de videogravação em sala específica e adequada, em condições de segurança, privacidade e conforto à criança e ao adolescente.
Artigo 5 º- Para o depoimento especial, o magistrado e a equipe técnica deverão observar a seguinte metodologia:
I – O depoimento especial será realizado em audiência previamente designada, que será presidida pelo magistrado, com a participação dos demais integrantes jurídicos do processo (Ministério Público, defensor público, advogados, denunciados, etc.), com apoio da equipe técnica por meio do ponto de som/imagem utilizado pelo técnico facilitador;
II - A intimação da criança ou adolescente deverá ser realizada de modo diferenciado, na pessoa de seu representante legal, sendo que o oficial de justiça deverá esclarecer-lhe a respeito da finalidade da audiência e informá-lo que a criança ou adolescente deverá ser levado à sede do juízo 30 (trinta) minutos antes da realização do ato processual;
III - A audiência deverá ser realizada em 03 (três) etapas, divididas em acolhimento inicial, tomada do depoimento e acolhimento final:
a) com a chegada da criança ou adolescente à sede do juízo, deverá ser estabelecido o acolhimento inicial pela equipe técnica (psicólogo e/ou assistente social), evitando-se o encontro do inquirido com o denunciado;
b) no acolhimento inicial, o profissional da equipe técnica deverá esclarecer à criança e adolescente e seu responsável legal quanto à natureza do ato processual que será realizado e como se procederá a coleta do depoimento, obtendo informações acerca da criança ou adolescente;
c) após os esclarecimentos iniciais e a apresentação do sistema à criança ou adolescente e seu responsável legal, recomenda-se, ainda, que na sala onde será colhido o depoimento especial, o acolhimento inicial se desenvolva com a utilização de técnicas de aproximação adequadas à idade, estágio de desenvolvimento e capacidade cognitiva do inquirido, estabelecendo-se, assim, um clima agradável e propício para que se sinta protegida, segura e confiante;
d) encerrado o acolhimento inicial, deverá ser dado início à segunda etapa da inquirição com o acionamento do equipamento de gravação e a realização do depoimento propriamente dito, abordando-se os fatos contidos no processo;
e) o profissional técnico (psicólogo ou assistente social) deverá procurar auxiliar a criança ou adolescente a relatar o ocorrido, utilizando diferentes tipos de indagações, dando preferência a perguntas abertas, evitando qualquer tipo de indução, possibilitando, assim, que se manifeste espontaneamente;
f) as indagações poderão ser feitas por quesitação prévia, a critério do juiz;
g) após a abordagem do profissional técnico (por meio da recriação do contexto, narrativa livre do inquirido e questionamento), o magistrado realizará indagações, seguidas das partes (Ministério Público, defensor público e advogados, etc.), todas intermediadas pelo técnico, que as adequará ao universo infanto-juvenil;
h) após a fase do depoimento, inicia-se o acolhimento final, na qual o profissional técnico deverá realizar o fechamento da entrevista, verificar e intervir conforme o estado emocional do inquirido, efetuar esclarecimentos finais, discutindo tópicos neutros, encerrando o ato, inclusive esclarecendo ao seu responsável legal quanto à forma de desenvolvimento do depoimento;
i) havendo necessidade verificada pelo magistrado ou a pedido das partes ou por orientação e sugestão do profissional técnico, deverão ser realizados encaminhamentos à rede de atendimento para apoio à saúde física, mental e emocional do inquirido;
j) durante a oitiva, recomenda-se a utilização de técnicas que possam facilitar a manifestação da criança ou adolescente, devendo sempre ser respeitado seu estado emocional e a sua capacidade cognitiva, pelo que se recomenda que o depoimento especial seja desenvolvido por meio de metodologia que dure em média 01 (uma) hora de abordagem.
Artigo 6º - Na escuta especializada ou no depoimento especial de criança ou adolescente vítima de violência, o magistrado determinará que o profissional técnico que acompanhou o ato processual emita relatório a respeito do assunto, o qual avaliará o comportamento do inquirido, juntando documentos criados e apresentados durante a técnica de coleta do depoimento.
Artigo 7º - O conteúdo da audiência, será gravado em mídia, juntando-se cópia da gravação ao processo.
Parágrafo único – Da mídia constante no caput não constarão o depoimento da criança ou adolescente.
Artigo 8º - A mídia com a integralidade do ato será produzida em duas cópias, devidamente identificadas, uma a ser arquivada na no cartório e outra no gabinete do juiz.
§ 1º - As cópias da mídia serão lacradas com a aposição da assinatura do juiz.
§ 2º - É defeso o fornecimento às partes de cópias da mídia do depoimento.
§ 3º - Na hipótese de o depoimento especial se realizar com fins de produção antecipada, a pedido da autoridade policial e comprovada a absoluta indispensabilidade, poderá o juiz determinar o envio de cópia da mídia com a integralidade da audiência, devendo resguardar a autoridade policial o sigilo do ato.
§ 4º - Quando não o caso de produção antecipada de provas, independentemente de agendamento a autoridade policial poderá ter acesso à mídia do depoimento no cartório, sem prejuízo de agendamento previamente designado pelas partes.
Artigo 9º - A mídia com o depoimento da criança ou do adolescente será juntada aos autos somente quando da remessa do processo ao Tribunal de Justiça, mantendo-se o respetivo sigilo.
Artigo 10º - À Corregedoria-Geral da Justiça caberá a fiscalização e acompanhamento do cumprimento deste Provimento.
Artigo 11º - O presente Provimento Conjunto entra em vigor na data de sua publicação.
Publique-se.
Cumpra-se.
Desembargador Walter Waltenberg Silva Junior
Presidente do Tribunal de Justiça
Desembargador José Jorge Ribeiro da Luz
Corregedor-Geral da Justiça